Nos 618 quilômetros de estrada de Ushuaia a Punta Arenas, um almoço debaixo de chuva, uma batida policial e um pôr do sol como nunca antes houve

A ideia era sair de Ushuaia bem cedo, mas Amyr Klink reconheceu o Australis e o papo a bordo foi longe. Australis é o nome do veleiro de Ben Wallis, velho amigo do navegador. Ben havia recém-chegado da Antártica, para onde levou 9 cientistas belgas. Nessa época do ano, o porto de Ushuaia recebe dezenas de veleiros vindos lá de baixo. “É fim de temporada e os proprietários dos barcos chegam aqui com os bolsos cheios, felizes da vida”, diz Amyr. O australiano, diga-se, não estava nos melhores dias. O eixo do câmbio da sua veterana embarcação quebrou quando a expedição estava a caminho de Ushuaia, no temido canal de Drake. Longe de casa e em um país que, segundo Amyr, complica muito a importação de peças para barcos, Ben não deve zarpar tão cedo da cidade.

O papo dos navegadores versou sobre o problema mecânico, sobre amigos em comum, família, causos antigos, planos futuros e, claro, Antártica. E terminou com um forte abraço, minutos depois de o australiano receber a notícia de que a peça encontrada na Irlanda não serviria para reparar seu veleiro. Sem nenhum problema mecânico nos mais de 7 mil quilômetros rodados desde a saída de São Paulo, os quatro Honda deixaram Ushuaia. Nos primeiros quilômetros, as sempre imponentes montanhas geladas, os lagos Fagnano e Escondido fazem a alegria das retinas. A estrada ladeia o Atlântico, que às vezes some escondido por alguma falésia. Antes de cruzar a fronteira com o Chile, paramos em San Sebastian para um almoço ao ar livre e debaixo de garoa.

Eugenia, a gerente do hotel Costa Ushuaia, havia nos presenteado com uma bandeja de croissant, aqui conhecidos como media lunas. A moça exagerou. Em vez de dois pães por pessoa, mandou seis. Uma bandeja com 54 media lunas surgiu no porta-malas do WR-V. Teve também o de sempre: pão, queijo, salame e maionese. Na fronteira com o Chile, é proibido passar com alimentos, principalmente se a embalagem estiver aberta. Era hora de comer tudo que tínhamos. Até um pote com restos de centolla apareceu na mesa improvisada no porta-malas do HR-V. Fora o mau humor dos agentes (parece ser condição para o ofício) e a burocracia com a documentação dos carros, a revista na fronteira foi leve. Deixaram até passar as 34 media lunas que sobraram. Mas retiveram dois salames, mesmo fechados.

Já em território chileno, por uma estrada de concreto, seguimos até Baia Azul para cruzar de novo o estreito de Magalhães. A travessia dessa vez, até Punta Delgada, é curta, de apenas 4,5 quilômetros. Leva 20 minutos. Nem há espaço decente para circular fora dos carros. Quem quiser subir e ver a vista precisa andar espremido entre os veículos e tirar fina de motores quentes. Não há uma cabine para pagar a travessia. A cobrança é feita aleatoriamente, dentro da embarcação. Ao lado do HR-V, parou uma caçamba lotada de ovelhas, animal que nesse pedaço do Chile começa a dividir a terra com os guanacos. Pegamos a Y79, ladeada por uma linda grama dourada, e depois a CH257.

Nesta última, fomos parados pela polícia. Pela 13ª vez na viagem. Em todas, houve apenas uma checagem rigorosa da documentação do condutor e do veículo. Ao contrário do que se alardeia sobre a polícia argentina, em nenhum momento houve exagero na vistoria, nem pedido de propina. O policial chileno foi o mais duro. Ameaçou multar um WR-V e um HR-V por não termos parado (parado mesmo) na placa de Pare que antecede o acesso à rodovia. Apenas havíamos desacelerado e olhado se era possível seguir. O ocorrido ficou apenas na bronca. Seguimos viagem.

Estradas patagônicas costumam proporcionar pores do sol de cinema. Mas o de hoje, uma hora depois do encontro com o posto policial, foi um tanto fora do normal. Das 19h29 às 19h31, na altura de San Gregorio, deu-se a luz perfeita. Quem viu não teve medo de dizer que se tratou da luz mais bonita de todos os tempos. Talvez a foto anexa mostre isso.

Em Punta Arenas, seguimos para o hotel onde nos hospedamos na semana passada, Cabañas Cierro las Piedras, com vista para o estreito de Magalhaes e lebres pulando pelo gramado. Amanhã é dia de mais uma balsa. Dessa vez, longa. Serão 32 horas pelos canais do sul do Chile. Chegaremos a Puerto Williams, de onde seguiremos pelos últimos quilômetros de estrada até Puerto Toro, o vilarejo mais austral do planeta, pra lá do fim do mundo.

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